Wednesday, April 11, 2007

Recordando Inês

Estavas, linda Inês, posta em sossego,
Dos teus anos colhendo o doce fruto,
Naquele engano de alma ledo e cego,
Que a Fortuna não deixa durar muito;

Luís de Camões, Os Lusíadas (1572)
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Inês: Haveis-me procurado e aqui me tendes. Já não tenho nada a perder. Virgem era o meu coração até que encontrou o vosso. Perder a virgindade do corpo já pouco me importa. Todo o meu ser está preso a vós. O meu pensamento e as minhas palavras. Os meus suspiros e o meu olhar. Apropriai-vos pois daquilo que vos resta. Fazendo-o, talvez me devolvais o mais importante: a minha dignidade. Pois então terei por certo que este fogo que me devora não é do corpo mas sim da alma, que não descansará até ser vossa.
Pedro: Como podeis tomar por rejeição o que não é senão zelo? Não quero causar-vos dano Inês. Amo-vos desde o dia em que vos vi, sombra fugaz naquele caminho que vos conduzia até mim. Meu Deus, a pressa que tive então em ir ao vosso encontro! E quando soube que éreis Inês e não Constança, julguei morrer! Mas no mesmo instante pensei: "Inês, esse é o nome da minha alma. Inês. Minha Inês." Desde então sou apenas vosso e, agora sei-o, vós sois apenas minha.
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Queres que te diga o que se passa comigo? Queres que te diga que não consigo olhá-lo sem que a sua imagem fique gravada em mim o resto do dia? Aceito casar-me, Constança. Sim, aceito. E fá-lo-ei com quem tu desejares. Mas o meu esposo será uma nova vítima desta paixão que nos arrasta. Nele recordarei o sabor dos beijos de Pedro, o toque da sua pele e o odor dos seus cabelos. Sim, Constança, aceito casar-me, mas não me faças mais perguntas. É melhor que continuemos assim. Afastadas, corteses. Há que salvar o carinho que nos une e, se eu falar, isso não será possível. Amo-o, Constança. Amo-o. Ele é exactamente o homem por quem esperei. Aquele a quem imaginei entregar o meu corpo, a minha alma, a minha vida. É ele, D. Pedro, mas acontece que é teu. É esposo da minha irmã, da minha mãe, da minha amiga...da pessoa a quem devo tudo. Não, Constança. Não. É melhor não falarmos. É melhor que nunca venhas a saber o que se passou naquele jardim, naquela tarde de Maio.
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Inês: Alteza, tenho de vos falar.
Pedro: Alteza? Não, para vós sou Pedro, o vosso Pedro. Perante vós igualo-me ao último dos meus servidores, ao mais humilde dos meus pajens, pois para mim sois a única senhora que existe.
Inês: Calai-vos e escutai-me. Peço-vos. Esta conversa será breve. Tem de ser breve. Só quero dizer-vos que pretendo tomar o hábito de noviça. Rogo-vos que tenteis convencer a vossa esposa a aceitar a minha decisão. Ela quer que me case, mas, como sabeis, não posso fazê-lo.
Pedro: Professar? Mas de quem quereis fugir, Inês? De mim ou de vós?
Inês: Senhor, não se trata de fugir. Sabeis que não haveria cavalheiro que me quisesse na minha condição. Entreguei-vos de livre vontade a minha virtude e, mesmo que isso não fosse um bom motivo, não desejo conhecer outro homem para além de vós.
Pedro: Inês, sabeis que nem o mais alto dos muros de um convento conseguirá afastar-me de vós. Escalarei muros, profanarei capelas, afastarei do meu caminho abadessas e noviças. Vós sois o meu Deus e o meu norte, o meu rumo e a minha estrela.
Inês: Não, Pedro! Regressareis para junto da vossa esposa, cuidareis da vossa filha, do infante que vem a caminho e dos que Deus quiser conceder-vos. E, ouvi-me bem, deveis esquecer-me. Deveis esquecer este amor que nos cega, que nos mata, que nos condena. Deveis esquecer-me e amar a mais nobre das mulheres, a melhor das amigas. Ireis convencer Constança de que será melhor para mim entrar para um convento e depois apagareis para sempre o meu nome da vossa memória. Assim fareis. Se, como dizeis, me amais, assim fareis, pois esse é o meu desejo.
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Podeis afastar-me do país, podeis despojar-me de riquezas, podeis até matar-me. Mas nunca, ouvi-me bem, nunca, podereis arrancar-me do coração do meu esposo. Ele ama-me com um amor que vai muito para além do bem e do mal, da vida e da morte. Estarei sempre, sempre com ele. Viva ou na sua memória. Não vos suplicarei por mim. Não espero a vossa misericórdia. Mas faço-o pelos meus filhos. Cumpri a vossa missão, mas salvai estas crianças. Não esqueceis que o sangue que lhes corre nas veias é o mesmo de Dom Afonso, vosso rei.
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Onde vais, príncipe Pedro,
Onde vais, triste de ti?
Que a tua querida esposa
Morta está que eu a vi.
Os sinais que apresentava
Bem tos posso descrever:
O seu pescoço é de alabastro
E as suas mãos de marfim.
Luis Vélez d Guevara, Reinar Después de Morir (1625)
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Salve, Dona Inês de Portugal.
Eu te coroo, Inês, rainha de Portugal. Que seja essa a forma como a História virá a conhecer-te.
María Pilar Queralt del Hierro, Inês de Castro (2003)